Partilha de cotas empresarias e pagamento de lucros em caso de divórcio

Em recente decisão, proferida nos autos da apelação 1054829-07.2020.8.26.0100, a 1ª. Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu que o responsável pelo pagamento de lucros de cotas empresariais, em caso de divórcio, é do ex-cônjuge e não da sociedade.

No caso concreto, o regime adotado pelo casal era o da comunhão universal de bens e, após o divórcio, cada parte ficou detentora de 50% (cinquenta por cento) dessas cotas, porém, o cônjuge sócio não repassou os lucros do exercício de determinados períodos, alegando que o pagamento deveria ser feito pela sociedade e não por ele.

Contudo, confirmando sentença de primeiro grau, o Tribunal de Justiça, com fundamento no artigo 1.027[1] do Código Civil, decidiu que a ex-cônjuge não se torna sócia da sociedade empresária, mas sim do ex-marido (subsociedade), devendo cobrar dele os lucros não recebidos.

Os litígios envolvendo divisão de cota sociais, nos casos em que há a comunhão, em decorrência do regime adotado, geram muitas dúvidas, especialmente em se tratando de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, em que há outros sócios, onde quase sempre não há possibilidade do ex-cônjuge ingressar na sociedade, em decorrência do acordo de vontade dos sócios estabelecido no contrato social e em homenagem ao affectio societatis. Aliás, é o contrato social, ou acordo de cotista, instrumentos hábeis a fazer previsões de situações como essa. Já em relação às sociedades anônimas, a solução se torna mais fácil, haja vista que as ações podem ser transmitidas e, quanto às firmas individuais, o patrimônio da pessoa jurídica se confunde com a da física, embora existam controvérsias também nesse ponto, que será tratado em outra exposição.

Dito isso, tem-se que o integrante da sociedade empresária de responsabilidade limitada, salvo anuência dos demais sócios, não pode partilhar suas cotas sociais, obrigando os demais integrantes da sociedade a aceitarem terceiros, já que ao ingressar em uma sociedade e integralizar o capital social, o valor utilizado passa a pertencer à pessoa jurídica. Isso significa que ao cônjuge não sócio remanesce apenas o direito em receber o valor proporcional das cotas pertencentes ao cônjuge sócio, não sendo possível seu ingresso na sociedade. Na prática, não havendo a possibilidade de o cônjuge não sócio ser admitido na sociedade, o cônjuge sócio deverá compensar esse valor com outro bem da partilha ou mesmo indenizar o cônjuge não sócio, inclusive, se o caso, vendendo suas cotas aos demais sócios ou mesmo a terceiro, que passará a integrar a sociedade em seu lugar.

A grande problemática que acaba levando o casal ao judiciário é justamente o valor dessas cotas, já que o valor real quase sempre é maior que aquele que consta no contrato social. Para tanto, o cônjuge não sócio pode se utilizar da ação de apuração de haveres, pela qual haverá uma investigação sobre o patrimônio da empresa, com acesso a livros, dados bancários, etc, podendo gerar para o cônjuge sócio uma situação delicada perante os demais integrantes da sociedade.

Anote-se que não se está falando em dissolução da sociedade, mas apenas em apuração de haveres, pois se assim o fosse, os demais sócios estariam dividindo com o cônjuge sócio o ônus da dissolução do casamento, conforme também já decidiu o mesmo órgão mencionado, no julgamento do recurso de apelação 1015377-69.2018.8.26.0161.

Não sendo a sociedade dissolvida, é certo que será descapitalizada do valor das quotas liquidadas, com a redução da participação do cônjuge sócio.

A intenção do legislador, ao estabelecer a regra do artigo 1.027 do Código Civil foi, sem dúvida, preservar a existência da sociedade empresária, evitando, desse modo, que todas as vezes em que um sócio se divorciar, que a sociedade tenha que ser liquidada.

Outro ponto que também gera divergência é quanto ao marco cronológico que deve ser adotado para essa apuração, havendo preponderância que seja o da cessação da convivência, evitando-se, assim, discussões acerca da valorização ou decréscimo do valor das cotas após a separação fática.

Por fim, enquanto não houver a apuração e o efetivo pagamento, o cônjuge não sócio tem direito a receber os lucros das cotas, cujo pagamento, conforme decisão do Tribunal de Justiça acima citada, deverá ser efetuado pelo cônjuge sócio e não pela sociedade.

 

Por: Celia Martinho

 

[1] Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade.

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